segunda-feira, 29 de julho de 2013

Caminhos



Que os anjos despertem as criaturas mais sagradas.
Que os corações se encham de compaixão.
Que a nossa história se torne um best-seller.
Que meu mundo complete o teu.
Que as circunstâncias me encaminhem a você.
Que tuas circunstâncias se encaixem nas minhas.
Que teu mundo esteja incompleto.
Que tua história esteja no começo.
Que tua compaixão seja suficiente.
Que tu sejas um anjo,
Que eu seja uma criatura.

As nuvens e o vento


Eu sempre olho para as nuvens. Me parece que elas possuem vida própria. Em poucos momentos mudam de forma, mudam de caminho, mudam de direção. As admiro muito. Talvez minha admiração se dê por conta da liberdade que elas possuem. Cortam o céu, cortam meu olhar.
De tanto acompanhar seus movimentos logo percebo que adquiro uma certa cegueira diante de toda sua brancura. O claro é tão forte que promove o escuro em meus olhos. Me pergunto se essa cegueira pode comprometer meus momentos de deleite das nuvens, mas logo o organismo me responde, pois a escuridão se vai e os traços naturais das coisas retornam, mesmo que isso ocorra de forma demorada.
Quando era criança, desejei ser uma nuvem também. Queria sua liberdade, seu poder de transformação, seu poder hipnotizador. Mas, com o passar do tempo, percebi que a liberdade das nuvens era provocada por um outro fenômeno da natureza: o vento.
Entre as nuvens e o vento fiquei em dúvida. As nuvens, como já disse, me encantavam profundamente, porém agora, um outro elemento me intrigava. O vento é o propulsor da liberdade das nuvens, conforme a velocidade dos ventos, temos formas diferentes e volumes diferentes das nuvens.
Hoje já não me vejo querendo ser uma bela nuvem, um esperto e ágil. Quero construir uma vida a qual contenha as características do vento e a beleza das nuvens.
Que eu consiga voar, correr, encantar os outros, assim como as nuvens fazem.
Que eu consiga guiar e moldar os meus caminhos, assim como os ventos fazem.

quarta-feira, 3 de abril de 2013


Subordinagem

As pessoas sempre sabem a hora certa de agir, mas eu não.
Sou inconstante perante meus sentimentos.
Eles me dominam e me atiram ao chão,
Feito folhas secas e indiferentes
À imensidão de folhagem que ainda,
Rigidamente,
Sobrevive em cada galho de meu coração.
Sou apenas um só.
Sou apenas eu mesmo.

Nilzan Santos

Necessidade

Quando precisamos de alguém para nos consolar,
Não precisamos só de consolo.
Apesar de querermos alguém que nos ame,
Precisamos de alguém que nos chateie.
Mesmo sabendo que a carência
É o medo da inexistência,
Precisamos de solidão
Dentro do coração.

Se tuas formas mortais
Se materializassem aqui,
Não saberia me conter!
Um fluxo de emoções ronda
E infla meu coração.
Já não me permito desperdiçar
Nem um tanto de imaginação.

Minhas consequências,
Tuas causas!
Minha derrota,
Teu jogo!
Tua mente,
Minha próxima conquista.
Meu enigma,
Tu: solução.


Nilzan Santos

Inconsistência

   Minha mente já não pensa mais. Não trabalhamos em harmonia há muito tempo.
            Percebi que necessito fazer hora extra nas ações cotidianas, pois meu raciocínio se perdeu entre o emaranhado de infortúnios que você me causou. Desde o primeiro despertar libidinoso, você vem querendo dominar meus sentidos e agora percebo o sucesso de sua operação.
            Embora eu seja alguém forte, decidido em aprender e ensinar sobre questões do coração, seus olhares desconcertaram minha realidade – minha intenção de reflexão perante os obstáculos emocionais foram quebradas. Estou completamente entregue aos caprichos da tua dominação.
            Já analisei muitas tarefas difíceis em que me muito me exigia o poder da racionalidade, já me deparei com diversas situações lamentáveis em que me fora exigido o caráter da decisão extrema, já tive que ser tão agressivamente duro quanto a outrem que nem imaginava ser.
            Mesmo querendo agir conforme as leis universais de flexibilidade, não posso lançar mão de atos frouxos para me referir a você, porque jamais deverei assumir que, enfim, apareceu alguém que sabe como me desmontar, pois – como já falei – sou forte.
            Eu sei que tem uma blindagem violenta envolvendo o teu corpo, mas não acho justo que você mantenha a impenetrabilidade diante dos meus sentimentos. Se você faz esse jogo de dominação com perfeição por que me mantem imóvel e inútil quando quero jogar?
            Você é um caso difícil de entender! Ou será que são meus sentimentos que não te agradam? Ou será que acabei interpretando erroneamente a tua mensagem?
            Será que todo sentimento exalado por mim foi em vão?
            Não me surpreenderia se fosse apenas paranoia de minha parte, porém peço apenas as respostas para essas perguntas que agora me atormentam, pois se tudo for amor, não me responsabilizo pelas consequências que deveremos colher durante o caminho.
            Digo nós, porque o causador de toda essa confusão mental é você. E se eu não conseguir me reerguer, pode ter certeza que te levarei para junto de mim. E assim ficaremos jogados no vale da ociosidade tomando banho na fonte da racionalidade até recuperarmos as energias humanas.
            Só assim terei certeza de que estarei pronto para confabular minhas reações emocionais outra vez, com outrem.

Nilzan Santos

Picuinha


Era uma manhã de inverno tipicamente macapaense, muita água divina, muito Amazonas se afogando, muita gente inacostumada ao frio moderado que se instalava.
Meus pais costumavam discutir por coisas simples e sem sentido, não que as coisas simples da vida não tenham sentido para mim, porém o fato de divergir ideias a respeito de um controle remoto me parece simples e sem sentido.
De repente eis que surge uma gota d’água bem no meio da sala, eu estava no quarto quando ouvi o alarde. Duas pessoas começavam a confabular argumentos sem fundamento. Claro que não eram argumentos, eram apenas palavras de nervosismo.
Mas por que tanto barulho por causa de uma gota d’água? Comecemos a entender então.
A gota d’água, invasora e destruidora de lares, atingiu o bendito controle remoto da TV. Perda total. E agora? Como iriamos alimentar o corpo preguiçoso na hora de saquear os canais da TV? Mesmo que fosse humanamente possível utilizar os botões instalados no televisor, não se cogitava a possibilidade de levantar-se, caminhar até a TV e deitar-se novamente. Nossa, que maratona olimpiana!
Digo deitar-se, porque em nossa casa os sofás não servem para sentar e sim para deitar. Se assim se vive aqui, eu me pergunto: qual o sentido de ter uma cama para cada pessoa nessa casa? Vem a resposta óbvia: nem todo quarto tem uma TV e um controle remoto.
Voltemos aos meus pais. Minha mãe urrou o seu grito mais belo e delicado, banhado a um “belo” palavrão involuntário. O controle, antes de seu suposto homicídio, estava deitado junto ao sofá em que meu pai descansava – ao som de roncos selvagens – após o café da manhã. Meu pai sempre dorme nas horas mais oportunas e inoportunas. Se quisermos assistir a um filme juntos, ele dorme; se combinamos a apreciação de um programa em família, ele dorme; mas se resolvemos nos atrasar para algum compromisso devido ao seu sono, ele não dorme e perturba.
O culpado foi logo descartando sua culpa. “Injustiça, porque durante o sono não temos chance de nos defender de catástrofes naturais”. Quase fui convencido!
Minha mãe com seu temperamento escorpiano, nem quis saber. “A culpa é tua, que fica roncando e esquece de tudo ao teu redor. Vê se presta mais atenção nas coisas, rapaz!”. Minha mãe é minha mãe!!! Ainda bem que é mãe, porque se fosse professora eu estava lascado. Chicote nele! (chicote em mim).
Ao observar a cena percebi que o controle estava virado com as teclas para baixo, o peguei do chão discretamente e cheio de habilidade desviando das palavras que voavam soltas no recinto. Constatei que a gota d’água atingira apenas o encaixe para as pilhas e que a solução era apenas a substituição por pilhas novas. Sempre fui bom no conserto de controles remotos.
Não comuniquei a descoberta a eles. Corri no meu quarto troquei as pilhas e voltei para a sala. Naquele momento eles já brigavam em busca do paradeiro do controle remoto. Sorri com ar de antagonista vilão, sentei no meio da sala, enrolado ao lençol salvador dos invernos, apontei o objeto para a tela reprodutora de sonhos e apertei o botão OFF.
A TV desligou, catei um travesseiro renegado ao canto da sala, aconcheguei minha cabeça e desfrutei do silêncio de perplexidade dos meus protagonistas familiares enquanto a chuva reinava absoluta lá fora.
Naquele dia percebi que meus pais precisavam de um diretor e de um núcleo de apoio para suas picuinhas. Exerci as duas funções com maestria. E até hoje busco o meu Oscar.

Nilzan Santos