Era
uma manhã de inverno tipicamente macapaense, muita água divina, muito Amazonas
se afogando, muita gente inacostumada ao frio moderado que se instalava.
Meus
pais costumavam discutir por coisas simples e sem sentido, não que as coisas
simples da vida não tenham sentido para mim, porém o fato de divergir ideias a
respeito de um controle remoto me parece simples e sem sentido.
De
repente eis que surge uma gota d’água bem no meio da sala, eu estava no quarto
quando ouvi o alarde. Duas pessoas começavam a confabular argumentos sem
fundamento. Claro que não eram argumentos, eram apenas palavras de nervosismo.
Mas
por que tanto barulho por causa de uma gota d’água? Comecemos a entender então.
A
gota d’água, invasora e destruidora de lares, atingiu o bendito controle remoto
da TV. Perda total. E agora? Como iriamos alimentar o corpo preguiçoso na hora
de saquear os canais da TV? Mesmo que fosse humanamente possível utilizar os
botões instalados no televisor, não se cogitava a possibilidade de levantar-se,
caminhar até a TV e deitar-se novamente. Nossa, que maratona olimpiana!
Digo
deitar-se, porque em nossa casa os sofás não servem para sentar e sim para
deitar. Se assim se vive aqui, eu me pergunto: qual o sentido de ter uma cama
para cada pessoa nessa casa? Vem a resposta óbvia: nem todo quarto tem uma TV e
um controle remoto.
Voltemos
aos meus pais. Minha mãe urrou o seu grito mais belo e delicado, banhado a um
“belo” palavrão involuntário. O controle, antes de seu suposto homicídio,
estava deitado junto ao sofá em que meu pai descansava – ao som de roncos
selvagens – após o café da manhã. Meu pai sempre dorme nas horas mais oportunas
e inoportunas. Se quisermos assistir a um filme juntos, ele dorme; se
combinamos a apreciação de um programa em família, ele dorme; mas se resolvemos
nos atrasar para algum compromisso devido ao seu sono, ele não dorme e
perturba.
O
culpado foi logo descartando sua culpa. “Injustiça, porque durante o sono não
temos chance de nos defender de catástrofes naturais”. Quase fui convencido!
Minha
mãe com seu temperamento escorpiano, nem quis saber. “A culpa é tua, que fica
roncando e esquece de tudo ao teu redor. Vê se presta mais atenção nas coisas,
rapaz!”. Minha mãe é minha mãe!!! Ainda bem que é mãe, porque se fosse
professora eu estava lascado. Chicote nele! (Chicote em mim).
Ao
observar a cena percebi que o controle estava virado com as teclas para baixo,
o peguei do chão discretamente e cheio de habilidade desviando das palavras que
voavam soltas no recinto. Constatei que a gota d’água atingira apenas o encaixe
para as pilhas e que a solução era apenas a substituição por pilhas novas.
Sempre fui bom no conserto de controles remotos.
Não
comuniquei a descoberta a eles. Corri no meu quarto, troquei as pilhas e voltei
para a sala. Naquele momento eles já brigavam em busca do paradeiro do controle
remoto. Sorri com ar de antagonista vilão, sentei no meio da sala, enrolado ao
lençol salvador dos invernos, apontei o objeto para a tela reprodutora de
sonhos e apertei o botão OFF.
A TV
desligou, catei um travesseiro renegado ao canto da sala, aconcheguei minha
cabeça e desfrutei do silêncio de perplexidade dos meus protagonistas
familiares enquanto a chuva reinava absoluta lá fora.
Naquele
dia percebi que meus pais precisavam de um diretor e de um núcleo de apoio para
suas picuinhas. Exerci as duas funções com maestria. E até hoje busco o meu
Oscar.
Nilzan Santos,
29.03.2013