quinta-feira, 26 de março de 2015

Previsibilidade



Sinto falta daquelas palavras que tu me dizias em busca de confirmações.
Sou um ser previsível e tu sabes muito bem disso. Assim, tu utilizavas minha fraqueza em prol de teus desejos.
A libido me afogava e só tu eras capaz de me resgatar. Eu sucumbia e tu me tiravas do mundo dos desfalecidos.
Jogávamos um jogo infame e eu, munido de minha ingenuidade, me deixava corromper pelos teus truques infalíveis e constantemente trapaceiros. Me vencias pela trapaça de tuas jogadas.
Mas, assim como a virgem deixou encantar-se pelo fruto proibido, me entreguei aos teus anseios e me feri.
Condenado ao ócio das lamentações, me vejo envolvido em imensas cordas que me paralisam e me deixam inerte a teus atos.
Não tenho com reagir a teus infames devaneios a meu respeito, mas estou certo de que minha previsibilidade não me deixará de lado.
Te esquecerei e me tornarei blindado à espera de outra desilusão.
Elas me alimentam e me ensinam que sou mais forte do que qualquer obstáculo corrosivo, que danifica o coração dos homens e os torna mais regenerados a cada queda.

Nilzan Santos
17 de Março de 2015

Picuinha



Era uma manhã de inverno tipicamente macapaense, muita água divina, muito Amazonas se afogando, muita gente inacostumada ao frio moderado que se instalava.
Meus pais costumavam discutir por coisas simples e sem sentido, não que as coisas simples da vida não tenham sentido para mim, porém o fato de divergir ideias a respeito de um controle remoto me parece simples e sem sentido.
De repente eis que surge uma gota d’água bem no meio da sala, eu estava no quarto quando ouvi o alarde. Duas pessoas começavam a confabular argumentos sem fundamento. Claro que não eram argumentos, eram apenas palavras de nervosismo.
Mas por que tanto barulho por causa de uma gota d’água? Comecemos a entender então.
A gota d’água, invasora e destruidora de lares, atingiu o bendito controle remoto da TV. Perda total. E agora? Como iriamos alimentar o corpo preguiçoso na hora de saquear os canais da TV? Mesmo que fosse humanamente possível utilizar os botões instalados no televisor, não se cogitava a possibilidade de levantar-se, caminhar até a TV e deitar-se novamente. Nossa, que maratona olimpiana!
Digo deitar-se, porque em nossa casa os sofás não servem para sentar e sim para deitar. Se assim se vive aqui, eu me pergunto: qual o sentido de ter uma cama para cada pessoa nessa casa? Vem a resposta óbvia: nem todo quarto tem uma TV e um controle remoto.
Voltemos aos meus pais. Minha mãe urrou o seu grito mais belo e delicado, banhado a um “belo” palavrão involuntário. O controle, antes de seu suposto homicídio, estava deitado junto ao sofá em que meu pai descansava – ao som de roncos selvagens – após o café da manhã. Meu pai sempre dorme nas horas mais oportunas e inoportunas. Se quisermos assistir a um filme juntos, ele dorme; se combinamos a apreciação de um programa em família, ele dorme; mas se resolvemos nos atrasar para algum compromisso devido ao seu sono, ele não dorme e perturba.
O culpado foi logo descartando sua culpa. “Injustiça, porque durante o sono não temos chance de nos defender de catástrofes naturais”. Quase fui convencido!
Minha mãe com seu temperamento escorpiano, nem quis saber. “A culpa é tua, que fica roncando e esquece de tudo ao teu redor. Vê se presta mais atenção nas coisas, rapaz!”. Minha mãe é minha mãe!!! Ainda bem que é mãe, porque se fosse professora eu estava lascado. Chicote nele! (Chicote em mim).
Ao observar a cena percebi que o controle estava virado com as teclas para baixo, o peguei do chão discretamente e cheio de habilidade desviando das palavras que voavam soltas no recinto. Constatei que a gota d’água atingira apenas o encaixe para as pilhas e que a solução era apenas a substituição por pilhas novas. Sempre fui bom no conserto de controles remotos.
Não comuniquei a descoberta a eles. Corri no meu quarto, troquei as pilhas e voltei para a sala. Naquele momento eles já brigavam em busca do paradeiro do controle remoto. Sorri com ar de antagonista vilão, sentei no meio da sala, enrolado ao lençol salvador dos invernos, apontei o objeto para a tela reprodutora de sonhos e apertei o botão OFF.
A TV desligou, catei um travesseiro renegado ao canto da sala, aconcheguei minha cabeça e desfrutei do silêncio de perplexidade dos meus protagonistas familiares enquanto a chuva reinava absoluta lá fora.
Naquele dia percebi que meus pais precisavam de um diretor e de um núcleo de apoio para suas picuinhas. Exerci as duas funções com maestria. E até hoje busco o meu Oscar.

Nilzan Santos,
29.03.2013

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Caminhos



Que os anjos despertem as criaturas mais sagradas.
Que os corações se encham de compaixão.
Que a nossa história se torne um best-seller.
Que meu mundo complete o teu.
Que as circunstâncias me encaminhem a você.
Que tuas circunstâncias se encaixem nas minhas.
Que teu mundo esteja incompleto.
Que tua história esteja no começo.
Que tua compaixão seja suficiente.
Que tu sejas um anjo,
Que eu seja uma criatura.

As nuvens e o vento


Eu sempre olho para as nuvens. Me parece que elas possuem vida própria. Em poucos momentos mudam de forma, mudam de caminho, mudam de direção. As admiro muito. Talvez minha admiração se dê por conta da liberdade que elas possuem. Cortam o céu, cortam meu olhar.
De tanto acompanhar seus movimentos logo percebo que adquiro uma certa cegueira diante de toda sua brancura. O claro é tão forte que promove o escuro em meus olhos. Me pergunto se essa cegueira pode comprometer meus momentos de deleite das nuvens, mas logo o organismo me responde, pois a escuridão se vai e os traços naturais das coisas retornam, mesmo que isso ocorra de forma demorada.
Quando era criança, desejei ser uma nuvem também. Queria sua liberdade, seu poder de transformação, seu poder hipnotizador. Mas, com o passar do tempo, percebi que a liberdade das nuvens era provocada por um outro fenômeno da natureza: o vento.
Entre as nuvens e o vento fiquei em dúvida. As nuvens, como já disse, me encantavam profundamente, porém agora, um outro elemento me intrigava. O vento é o propulsor da liberdade das nuvens, conforme a velocidade dos ventos, temos formas diferentes e volumes diferentes das nuvens.
Hoje já não me vejo querendo ser uma bela nuvem, um esperto e ágil. Quero construir uma vida a qual contenha as características do vento e a beleza das nuvens.
Que eu consiga voar, correr, encantar os outros, assim como as nuvens fazem.
Que eu consiga guiar e moldar os meus caminhos, assim como os ventos fazem.

quarta-feira, 3 de abril de 2013


Subordinagem

As pessoas sempre sabem a hora certa de agir, mas eu não.
Sou inconstante perante meus sentimentos.
Eles me dominam e me atiram ao chão,
Feito folhas secas e indiferentes
À imensidão de folhagem que ainda,
Rigidamente,
Sobrevive em cada galho de meu coração.
Sou apenas um só.
Sou apenas eu mesmo.

Nilzan Santos